quinta-feira, 8 de março de 2012

PINTINHOS

Essa noite sonhei com pintinhos. Sim, pintinhos. Enquanto mexia com ovos, talvez meia dúzia, dois deles nao tinham gema. Tinham pintinhos. Feios. Nojentos.
Como uma coisinha escura, úmeda, morna. Deixei esses dois ovos de lado. Com nojo e receio de algo tao morto e tao vivo. Me afastei. A consciencia pesa.
Sim, ela pesa e todos conhecemos essa sensaçao. Culpa. Nao havia checado se era algo com vida. Algo morto. Ou pior, algo lutando para viver.
Voltei, abri o primeiro ovo, coloquei na mao aquela bolinha de pequenas e molhadas penas. Nao era amarelinho, era escuro, com sangue e proteínas. Era quente e latejava.
Estava meio vivo. Avancei pra longe de meu pessimismo nato de meio vazio e nunca meio cheio e quis salvar a coisa nojenta. Se estava meio vivo era melhor viver.
Escondi a bolinha entre as duas maos, tentava proporcionar calor, soprava algo quente como quem quer limpar com a manga da camisa uma janela. Baforava vapor, soprava vida.
O pintinho latejava, seu pequeno coraçao se movia e eu sentia.
Pouco a pouco sua cabecinha feia se movia, o ajudei a descolar suas asas molhadas, o limpei com as maos sujas de sua propria coisa.
Como era sonho e meu otimismo existia, em pouco tempo o pintinho marrom acinzentado estava de pé. Era hora de preocupar-me com seu irmao. O caso era mais grave. Essa
bolinha havia esperado mais tempo por calor, era mais pequena e muito mais úmeda. Meu otimismo existia. Um coraçao pulsava. Estava meio vivo. Se estava meio vivo
era melhor viver. E também viveu. Essa noite sonhei com pintinhos. Sim, pintinhos. Feios, nojentos. Vivos. Essa manha eu resolvi viver. Meio úmeda, meio feia. Mas
deixei o pessimismo de lado e resolvi escrever.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Spanish Revolution 15-M


Pra quem não sabe está rolando uma revolução na Espanha. Não é como as revoluções que imaginamos, não é uma revolução armada, não é uma revolução de palavras raivosas em um megafone. Já foi, depois do primeiro dia os ânimos se acalmaram. Desde aqui de Logroño posso dizer que mesmo sem a faísca explosiva que tanto me agrada a revolução vem acontecendo. Talvez não aconteça no país, mas vem acontecendo uma revolução dentro das pessoas.
Podem imaginar o que é estar acampado em uma praça antiguíssima, belíssima, cozinhando para uma galera enorme e ser abordada por duas vovozinhas que te perguntam o que precisamos para a cozinha? 'Azeite? Trago amanhã!' Não posso expressar também a alegria de ouvir delas: 'Obrigada por tudo o que estão fazendo por nós.'
A cozinha não é o centro da operação, embora Espanha seja um país que conquiste pela barriga, outros comitês foram formados: Comunicaciones, artes, logística, etc. Tudo bem organizado, uma micro-cidade em praça pública mas com microfones abertos para quem desejar falar.
Nem tenho tanta parte nisso, venho acompanhando meio de escanteio, dando uma força onde posso. Mas a satisfação de ver assembléias públicas em plena praça ficara eternamente em mim. Sim, sou sudaca, metade sudaca-metade espanhola, mas aqui ninguém se importa. Todos os dias as oito da noite, espanhóis, sudacas, moros, romenos, brancos, negros, velhos, jovens, crianças, vegetarianos, carnívoros se unem. Todos os dias desde o 17 de maio (em Logroño o movimento 15-M demorou pra começar) a principal praça pública de Logroño, capital de La Rioja, ganha outro sentido, ganha nova vida.

Vazia de mim

Sempre estive cheia de mim mesma, tão cheia a ponto de estar de saco cheio de mim. Aí, como sempre, fugi de mim e me encontrei em outro. Mas dessa vez foi diferente, não só me encontrei em outro como me enchi de outro. venho tentando descobrir como estar de saco cheio disso. Não estou, não consigo estar. Estou cheia de outro, recheada, repleta, composta e completa.
Acontece que dois corpos não ocupam o mesmo lugar. Não posso estar cheia de mim e cheia de outro ao mesmo tempo, e assim venho me esvaziando de mim mesma. Vivendo uma vida que talvez nem seja minha. Vivendo uma vida emprestada. Encantadora, satisfatória, mas emprestada. Ferindo diariamente meu orgulho leonino.
Venho me aterrorizando, pesadelos entre meus sorrisos. Não, não estou triste. Nem na fossa, nem mesmo na bossa como sempre. Estou...não sei. Venho desejando a constante presença do outro e isso me incomoda. "A solidão que sempre precisei é ao mesmo tempo inteiramente insuportável."
O outro vem me dominando e em sua ausência eu não vivo, não existo. Já não sei mais se isso é ser livre, perdi meu próprio reino, tanto a presença do outro quanto a sua ausência me dominam de forma assustadora, não tenho mais domínio sobre mim. Meu coração me traiu ou se vingou.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

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A terrível sensação de não poder prever o amanhã, a saborosa sensação de não ter previsto o ontem, ah...a liberdade.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Meio vazio.

Nem só de cagadas vive o homem, fato. Mas como nos custa o otimismo, como nos custa ver o lado bom das coisas, como nos custa o pensamento positivo. Sempre nos sobra mais ressaca moral, arrependimentos, lembranças horrendas e culpa.
Bom, pelo menos me custa muito. Meu copo anda sempre meio vazio e isso me dá uma sacudida, meia dose de algo já me indica o momento de partir para a segunda dose. Meio copo de cerveja já me provoca a terminá-lo logo e enchê-lo novamente. Assim também é com as outras doses da vida. O meio termo sempre me incomodou além da conta e, sempre que necessário, elimino tudo logo.
Mesmice não rola, rotina me cansa e tudo o que é morno não me vale. Ou é, ou não é. Meu problema é que tudo que é meio complicado me cativa mais. Não vivo só de cagadas da vida e mancadas próprias e alheias, mas admito que chegar ao fundo do copo me apetece mais do que dar o primeiro gole.
Gosto um pouco do desgosto, gosto um bocado de quando chego ao ponto de reflexão, gosto quando chego na curva e não vejo muito bem o que me espera adiante. Cheguei ao ponto de não atrair problemas, mas buscá-los. Daí me pergunto, me custa ser otimista, ver o lado bom das coisas, ou me apetece muito mais o lance de mergulhar um pouquinho no lado negro e nadar no que sobra no copo? Se está meio vazio, que metade seja de uísque, por favor.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Fossa mode on

        Algumas pessoas tentam buscar sua fortaleza onde não há. Algo me diz que nossa fortaleza está sempre lá enfiada em algum buraco escuro e empoeirado dentro da gente. Taí. É por isso que se revive quando se encontra o fundo do poço, é por isso que se aprende com o sofrimento, é por isso que só se vive mesmo aquilo que dói uma hora ou outra.
Tem gente que teima em buscar sua fortaleza em um monte de sorrisos amarelos e em companhias vazias. Cansei de ver (na nossa era interneteira), gente se expondo ridiculamente feliz em suas redes sociais. Perfis de facebook e twitter viraram marketing pessoal, só não se sabe ao certo o público que se quer atingir.
Minha gente, ninguém é 100% feliz, ninguém tem mil amigos e ninguém é tão bonito quanto na foto. Simples assim. E não há porque choramingar.
Sempre fui da turma da bossa, sempre fui -e digo sem o menor constrangimento, da turma da fossa também. Na boa, nada melhor do que um porre roots, um caderno e uma caneta pra curar qualquer mal. Não creio em um levanta e sacode a poeira dentro de uma balada com um bando de playba te xavecando às custas de muita coragem by red bull. Não creio em soluções moderninhas pra dor de cotovelo, rejeição, problemas no trampo, solidão, tpm, e qualquer outra coisa que te possa deixar cazuzeando um eu ando tão down.
Acredito mesmo que nossa fortaleza está no momento em que abrimos mão do desejo de transmitir uma imagem do eu. Quando damos um foda-se para o que fulano, beltrano, cicrano e cias irão pensar à respeito de nossa fossa, é porque damos mais atenção à fossa em si. People, a fossa é necessária e muito digna. Meus melhores momentos estão ligados à ela. Ou eu estava muito longe dela, ou nadando nela com prazer. E porque? Porque estou viva. Em nenhum momento me disseram que viver era sair sorrindo e colocando frase no perfil do facebook do tipo: Sou felizona! Nunca assinei um contrato onde diziam que a vida era ser feliz. Porra! Quem aqui não quer ser feliz? Mas cacilda, não despreze a tristeza, isso também é vida, um palhaço triste também está vivendo.
Sim, hoje foi um dia de fossa. E porque? Não sei. Tudo dentro do previsto, dia ensolarado, cerveja, amigos...mas né, sempre fui da turma da bossa, sempre fui da turma da fossa.

segunda-feira, 7 de março de 2011

PRAGAS DA ERA DIGITAL, LISPECTORIANDO TOTAL

Que antes de mais nada fique claro que sou super a favor da democratização da informação e da inclusão digital. ok? Mas tem uma série de pequenas grandes coisas que me deixam de cabelo em pé. Perfil de rede social, olha...te falá viu. As vezes me comove. Biografia de twitter é o que há para as madrugadas insones, recomendo; é uma tal de 'apaixonada pela vida e pelo meu trabalho' que me faz até refletir sobre minhas paixões. Tem também o ser que leva o lance mega ao pé da letra e coloca nome, rg, cpf, profissão e estado civil. Não respeito muito a pessoa dependendo da bio dela, falo logo.
Mas tenho uma mágoa quando o assunto é Clarice Lispector. Me dói no fundo da alma ver um bando de garotinhas apaixonadas pela vida e pelo seu trabalho citando Clarice. Clarice virou status de facebook, é isso? Clarice virou resposta de minazinha rejeitada. Clarice virou troco de mulher mal-amada. Virou pérola de garota descolada. Porra. Podem deixar Clarice em paz? Agora virou febre também Martha Medeiros, coitada. Está também nas mãos de garotas que buscam seus sentimentos no google, que buscam respostas prontas, doces ou ácidas na internet. Garotas que não conseguem construir uma sentença sobre o que sentem, desejam ou abominam.
Sempre citei Clarice, sempre. Não por buscar suas frases prontas, não por isso, mas por uma identificação que veio desde cedo, desde minhas primeiras leituras. Devorava Clarice e grifava suas frases; A Paixão segundo GH me deu inveja. Lia frases que queria ter dito, que queria ter vomitado como ela o fazia. Diferente de quem busca no google a receita para impressionar seus 745 amigos virtuais. Sério, alguém aí deve mesmo curtir Clarice e senti-la como eu sempre senti, se for o caso...se inclua fora dessa e se, (de verdade for o caso) você sabe muito bem do que falo.
Eu não sei se digo uma estupidez tremenda ao afirmar meu desgosto sobre o assunto. Pode ser que eu esteja sendo totalmente reacionária, amarga e resistente. Mas de verdade, prefiro que essas garotas apaixonadas devorem a obra de Clarice, se joguem em Martha Medeiros, se dopem com Bukowski, Cortázar, Pessoa, Neruda...prefiro que tudo isso faça parte delas e que, de vez em quando, uma de suas frases ou versos, brotem de forma natural e absoluta em seus pensamentos e aí sim, esse verso, essa frase se transforme em estado de espírito, em comunhão de sentimentos. Posso ser azeda e do contra, mas não curto e nem quero curtir a pegada 'frases famosas' no google com destino facebook.